Desportista Fernando Nesi

Quem assiste hoje em dia dirigentes de clubes de futebol vivendo um clima beligerante, custa acreditar que, no passado, antigos cartolas mantinham relações as mais cordiais, frequentando a casa do adversários, participando de almoços nas datas aniversárias e até trocando gentilezas através de títulos honoríficos. Um desses dirigentes foi Humberto Nesi, desportista dos mais respeitados de sua época. Se vivo fosse, Nesi estaria completando  cem anos de vida neste dia 20 de dezembro.  Quis o destino que partisse aos 77 anos.

Quando Natal não possuía ainda ginásios cobertos, Nesi já disputava campeonatos de vôlei e basquete em quadras descobertas. Quando o então governador Sílvio Pedroza inaugurou o ginásio de Petrópolis em 1954 – hoje com seu nome, Nesi já era veterano, porém mesmo assim defendia as cores do América. Foi praticante e campeão de remo, uma guarnição de out-riggers que tinha o nome de “os pingões”, campeão de várias regatas no rio Potengi. Nesi – ironicamente, mesmo americano, defendendo um clube alvinegro,   o Centro Náutico Potengi, duelos homéricos contra o rival Sport Club de Natal.

Quem visse o “homão” Humberto Nesi, passos largos, bela  estatura, quase 1,90m, fisionomia fechada, não adivinhava que  sisudez era apenas aparente, pois no íntimo era uma pessoa afável, receptiva até quanto podia. No esporte, foi jogador de basquete, vôlei e futebol, foi árbitro de futebol e basquete, foi presidente do América e da FNF (na época FND), foi presidente do Conselho Regional de Desportos. A esse tempo, nos contratos de jogadores profissionais, o processo passava pelo CRD, e o contrato era registrado nesse conselho. Fosse jogador do ABC, América ou Alecrim ou Santa Cruz, todos tinham o mesmo tratamento.

Nas datas aniversárias dos clubes da capital, havia programação de almoços ou jantares, entregas de títulos honoríficos, não faltava convite do ABC para o América, e vice versa. O ex-presidente do ABC, Ernani da Silveira recebeu das mãos de Humberto Nesi o título de benemérito, entregue na sede da av. Rodrigues Alves,  familiares e diretorias presentes, na maior harmonia. Uma pena que, na época ainda não havia emissoras de televisão em Natal, para que o tape fosse exibido, hoje, aos dirigentes dos dois clubes. Nesi sempre dizia que, na inauguração do estadinho do América no quarteirão de Tirol, quando o clube rubro fez uma festa, a diretoria do ABC lá compareceu, foi disputado o ABC x América, num clima de grande camaradagem. Diretores do América foram à inauguração da sede social do ABC, em 1958, no local onde hoje existe o CCAB.

Vicente Farache, que viveu cerca de 40 anos dentro do ABC, mantinha ótimo relacionamento  com Humberto Nesi, a despeito da rivalidade que sempre existiu e de alguns expedientes às vezes utilizados por Farache, na condição de diretor técnico da FND.

Apesar de exigente no trato com as normas do esporte – na época não tão rígidas, Nesi mantinha ótimo relacionamento com outros clubes. Com os filhos, era exigente. Fernando Nesi, o seu filho mais voltado para o esporte, certa vez desentendeu-se com o técnico de basquete do clube, Genildo Correa. Aborrecido,  Fernando transferiu-se para o Santa Cruz, e quando Nesi soube, exigiu que retornasse ao América, pois seu prazer e deleite era ver os filhos vestindo a camisa rubra. Exigiu que o filho pedisse desculpas ao técnico, e tudo voltou às boas.

Tirol era o bairro dos americanos, quase todos os abnegados residindo nas proximidades do clube. Diariamente, entre 19 e 21h, reuniam-se  na área externa, e ali o “papo” estendia-se até às 21h. O local ficou denominado de “a turma do muro”, Nesi, Adalberto, Heriberto, Osmar,  Walter Nunes (o caçula do grupo), Ruy Barreto, Ruy Paiva, Humberto Pignataro Manoel Noronha e José Rodrigues, Henrique Gaspar, às vezes José Rocha passava por lá, mesmo sendo na época ainda um jovem cartola.

Uma das grande amizades de Nesi foi com Aluízio Alves, também americano e torcedor do Vasco. Aluízio não era de ir ao “Juvenal Lamartine”, mas em qualquer solenidade do esporte, lá estavam os dois. Nesi foi presidente do CRD por indicação de AA e foi também amigo íntimo de João Havelange. JH esteve três vezes em Natal, e sempre se reunia com Humberto Nesi quando passava por esta capital.  Tão grande era o caráter de HN, que – como árbitro de futebol que foi durante alguns anos, apitava jogos do ABC  no “Juvenal Lamartine”, e era respeitado pela “frasqueira”. Apesar de viver toda sua vida dentro do América, Nesi não jogou futebol o suficiente para constar em qualquer equipe. Ele se achava muito alto pra jogar futebol, pernas longas e passadas lentas, talvez pudesse ser um grande goleiro. Ou um goleiro grande.

Dia 20, quando Nesi faria 100 anos se vivo fosse, seus amigos vão disputar um torneio na AABB com o troféu Humberto Nesi – 100 anos, ao campeão. Quando vivo, Nesi teve seu nome em vários troféus com o título de Mérito Humberto Nesi. Teve também a felicidade de participar da criação de praticamente todas as federações esportivas de Natal, desde futebol até remo, voleibol, basquetebol, tênis de campo, atletismo, e vários clubes, destacando-se o Aero Clube do RN. Exerceu cargos importantes nos governos de vários políticos, exerceu cargos vitais para o desenvolvimento do RN, destacando-se Delegacia Fiscal do Tesouro Nacional, Secretário de Finanças do RN, Telern, Fenat, Secretário Estadual e Municipal de Finanças. No esporte, acumulou mais de 200 medalhas e troféus. Tantos anos voltados para o esporte, Nesi jamais teve um inimigo por conta de uma vida inteira  devotada ao esporte, aos amigos, à família, ao próximo.

Fonte: Tribuna do Norte

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